A língua constitui, ao mesmo tempo, instrumento de comunicação humana e expressão da nacionalidade. Como todo elemento cultural, ela acompanha as mudanças históricas e sociais, sofrendo, por isso, influência de toda ordem. O intercâmbio lingüístico, que o contato cultural cada vez maior entre os povos proporciona, deve ser cultivado e promovido, sem deixar de reconhecer, contudo, que ele pode ocorrer, às vezes, de forma indesejada, dando espaço ao que ficou conhecido como estrangeirismo.
A linguagem faz parte da condição humana. Por causa da sua capacidade de mediação simbólica, pode-se dizer que ela se encontra na origem das sociedades, constituindo, junto com as crenças, os costumes e as tradições, o acervo cultural de um povo. Não há país que não tenha na forma de se expressar uma das fontes de sua identidade. Além de servir como meio de comunicação, os idiomas particularizam as nações, distinguem-nos de tal modo que podemos separar com facilidade os habitantes de Paris daqueles que nasceram em Moscou. Não raro, tornam-se motivo de inflamadas pregações nacionalistas. A propósito da importância do idioma pátrio, o escritor romântico oitocentista José de Alencar afirmava que “a língua é a nacionalidade do pensamento como a pátria é a nacionalidade do povo”.
Reconhecer, no entanto, que o idioma reflete a identidade popular não deve levar a posturas extremas, que identifiquem no estrangeiro aquilo que precisa ser evitado a qualquer custo. O empréstimo de novas palavras tomado de outros idiomas é prova da natureza dinâmica das línguas, que antes se enriquecem do que se degeneram pelo contato entre si. Tal processo, ao contrário do que sugerem os puristas, não ocorre de maneira passiva e automática, pois é na reconstrução que muitas palavras estrangeiras são incorporadas ao vernáculo nacional. Como ilustração: a palavra “forró”, usada para designar um tipo de festa popular no Brasil, deriva do inglês “for all”, evento aberto ao público, promovido na base aérea norte-americana de Natal, durante a Segunda Guerra.
Se, por um lado, o contato com outras línguas não configura ameaça ao português, por outro, os modismos e a afetação no uso de outros idiomas não devem ser vistos com bons olhos. Com o processo de globalização a que se assistiu nas últimas décadas, muitas expressões estrangeiras passaram a ser empregadas quando, na verdade, existe sua correspondente no idioma pátrio. Especialmente no comércio, seus usuários parecem querer exibir certo cosmopolitismo com inscrições do tipo “delivery” e com logotipos que não devem encontrar entendimento geral como “Panetteria Petite Gateau”! Não é por outro motivo que, na França, a xenofobia oficial ao estrangeirismo chegou a ser objeto de legislação que determina a passagem para o francês de palavras e expressões provindas de outros países. Talvez o caso mais conhecido seja o do “savoir faire”, versão francesa do “know-how”. Na Espanha, por sua vez, nomes estrangeiros são “nacionalizados”, evitando, assim, a sua pronúncia como na língua de origem. Lá, Karl Marx é conhecido como Carlos Marx.
Embora a unidade lingüística deva ser preservada, cumpre assinalar, não obstante, que nenhuma língua é estática e imutável, pois, se assim fosse, nem o Português, a última flor do Lácio, teria surgido. Ao contrário, ela acompanha o destino do povo que a fala. Basta ler Os Sermões, do padre Antônio Vieira, e observar os regionalismos para atestar que o português sofreu a influência do tempo e do lugar onde é praticada.
Isso não exclui, todavia, a pertinência de políticas públicas que visem à valorização da cultura brasileira, em geral, e do nosso idioma, em particular. Nesse sentido, programas de ensino e difusão da língua portuguesa no exterior, como vertente da nossa inserção internacional, podem ser incentivados em parceria com os países que compõem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Além disso, e acima de tudo, em um mundo cada vez mais interdependente, a educação torna-se condição fundamental para a afirmação de nossa herança cultural, tornando-nos mais conscientes do valor do português como patrimônio nacional.
domingo, 10 de junho de 2007
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