sábado, 30 de junho de 2007

“A vida é uma mulher do lado e seja o que Deus quiser”


Tenho simpatia por Oscar Niemeyer. É homem de convicções, dono de um senso de humor finíssimo. Ainda não vi “A vida é um sopro”, documentário sobre a vida deste gigante da arquitetura. Mas pretendo vê-lo em breve.

Faz cerca de duas semanas, li na Folha de S. Paulo uma curiosa entrevista com o Niemeyer. Chamou-me a atenção a sofisticada formulação de quem já fez cem anos. Questionado sobre o sentido da vida, o arquiteto pontificou: “A vida é uma mulher do lado e seja o que Deus quiser”. Quanta irreverência, que, aliás, perpassa toda a conversa:

Veja a entrevista: FOLHA - As coisas estão melhores do que há cem anos? OSCAR NIEMEYER - Eu tenho 60.


FOLHA - Como?

NIEMEYER - Tenho 60 anos.


FOLHA - Não são cem?

NIEMEYER - Cem é sacanagem, pô! Eu tenho 60 [risos].


FOLHA - E a América Latina...

NIEMEYER - Está melhor. A gente sente uma onda de revolta contra o Bush. Há essa vontade de luta contra o capitalismo.


FOLHA - E o fato de o Chávez não renovar a concessão da RCTV?

NIEMEYER - O Chávez está certo. Se tem um órgão lá que quer impedir a revolução que ele busca, tem que fechar. Eu concordo com o Lula: o país é dele, o problema é dele.


FOLHA - O senhor é um otimista?

NIEMEYER - É complicado. Mas a coisa sempre melhora um pouco. Lula é operário, estamos do lado dele. A gente só espera que ele evolua um pouco mais. Os jovens precisam fazer uma revolta contra o capitalismo.


FOLHA - No documentário "A Vida é um Sopro", o senhor disse que o importante na vida é mulher.

NIEMEYER - Meus amigos do "Pasquim", outro dia, me perguntaram: "Oscar, e a vida?" Eu disse: "A vida é mulher do lado e seja o que Deus quiser". É uma resposta um pouco animal, porque, afinal, existe a miséria, a desigualdade. Mas é o que é importante.


FOLHA - Por isso o senhor se casou aos 99 anos?

NIEMEYER - É exatamente por isso. Pronto. Acabou a entrevista.

terça-feira, 26 de junho de 2007

O barulho que pensa

O título é bastante sugestivo, uma homenagem à banda Kraftwerk: "Musik Non Stop". A descrição, um toque de sensibilidade: "impressões sobre expressões do barulho que pensa". Apreciador apaixonado de música eletrônica e rock, Debson Luís criou, há pouco tempo, um interessante blog para compartilhar opiniões sobre clipes musicais. Certamente quem gosta de Depeche Mode, Peter Gabriel, Devo, Seabound, entre outros, se tornará, como eu, um leitor assíduo deste novo blog com que Debson nos brindou...

sábado, 16 de junho de 2007

Maria Antonieta e o processo da revolução


Faz mais ou menos 45 dias assisti, em S. Carlos (SP), ao filme "Maria Antonieta", dirigido por Sofia Coppola. Foi o que pensou, a diretora é mesmo um rebento de Francis Ford Coppola e, inclusive, atuou em "O Poderoso Chefão III" como filha de Michael Corleone, papel que os críticos da época consideraram demasiado importante para uma atriz pouco expressiva. É verdade que, como atriz, Sofia Coppola ainda estava verde, tímida, mas é preciso descontar o afeto paterno. O que importa é que Sofia abandonou os palcos e resolveu trabalhar do lado de trás das câmeras, tal como o pai. E, em matéria de direção de cinema, Sofia dispensa a condescendência da crítica.

Terceiro filme da sua carreira, "Maria Antonieta" é um longa-metragem rigoroso, bem desenvolvido e inteligente. Exige do telespectador conhecimento do período em que se desenrola a vida da princesa austríaca que se tornaria rainha da França: o reinado de Luis XVI, às vésperas da Revolução de 1789. O figurino é realmente digno de nota, reflete bem a suntuosidade e as rígidas regras de etiqueta do Antigo Regime. A estética do filme foi particularmente favorecida pelas gravações no Palácio de Versalhes e, inclusive, algumas cenas foram gravadas no famoso Salão dos Espelhos. De todo modo, os franceses não perdoaram o pequeníssimo detalhe de o filme sobre uma das suas mais conhecidas rainhas ter sido rodado em... inglês. E como eles são orgulhosos da sua langue française! Foi motivo suficiente para vaias e assobios ao final da projeção do filme no Festival de Cannes.

Em grandes traços, o longa-metragem retrata a trajetória de Maria Antonieta desde sua partida de Viena (a cerimônia de trocas de indumentárias na fronteira é curiosa...), após acordo diplomático entre a coroa francesa e a austríaca, até a saída da família real de Paris, durante o processo da revolução.

Interessante que é justamente a partir deste ponto que começa a narrativa de outro filme, na verdade, uma grande obra-prima do neo-realismo italiano, “Casanova e a Revolução” (La Nuit de Varennes), do diretor Ettore Scola. As questões envolvidas na trama deste filme são maravilhosas: o Antigo Regime e seus costumes, representado alegoricamente por Casanova (interpretado por Marcelo Mastroianni), o liberalismo da burguesia ascendente, defendido por Thomas Paine, e o observador de toda a confusão da época, encarnado pela figura do escritor Restif de la Bretonne. Scola fez duas versões finais para o filme, uma para os telespectadores do mundo inteiro, e outra especialmente para os italianos. Ambas são impressionantes, sobretudo aquela em que o personagem de Restif de la Bretonne faz reflexão, em livro da época, sobre a natureza das revoluções e estabelece um fictício diálogo com o futuro, justamente com o mundo de 1989. É de encabular a profecia feita pelo escritor...

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Macondo está em toda parte


"Os sete anos que passei registrando estas imagens foram uma viagem a sete séculos de história. No ritmo lento e moroso que marca o tempo da região, assisti o desenrolar dos séculos, trazendo diferentes culturas, de crenças, provações e sofrimentos tão parecidos. Das areias ardentes do nordeste brasileiro às montanhas do Chile, Bolívia, Peru, Equador, Guatemala e México, convivi com a universalidade deste mundo à parte".

"Em vista da profunda pobreza, as igrejas da região de Oaxaca conceberam um serviço criativo: o aluguel de caixões para o velório e o cortejo dos mortos. Ao ser enterrado, o corpo é retirado do caixão, que assim será reutilizado infinitamente". -- Sebastião Salgado

Uma nova "paz armada"?

Carta Capital desta semana traz artigo de Antonio Luiz M. C. Costa sobre as tensões internacionais causadas por questões candentes, tais como: o aquecimento global; os riscos de tráfico nuclear e terrorismo (particularmente agravados pelas ambições nucleares de Irã e Coréia do Norte); o problema estratégico no leste europeu envolvendo a Rússia e os EUA; o unilateralismo da política externa de George W. Bush; e a crescente demanda mundial por recursos energéticos (o que configura nova geopolítica mundial do petróleo). De fato, a resolução destas questões exige a conformação de uma governança global efetiva capaz de garantir a acomodação de interesses nem sempre coincidentes.
O articulista encerra o artigo em tom realista/pessimista, evocando o contexto da "paz armada" que precedeu as grandes guerras do século XX:
"O mundo nunca precisou tanto de alguma espécie de governança global – e o G-8 nunca esteve tão distante do consenso necessário para formular uma proposta, quanto mais para torná-la aceitável aos novos poderes emergentes. Os EUA, a Rússia, a Europa e os novos países industrializados formam blocos de interesses aparentemente inconciliáveis: um busca hegemonia absoluta em todos os aspectos, o segundo tenta controlar a oferta da energia, o terceiro insiste em um status quo que já não consegue defender e o quarto em conquistar seu lugar ao sol. É uma receita não só para ressuscitar a Guerra Fria como para aquecê-la de maneira tão perigosa quanto ocorreu com a “paz armada” que antecedeu as guerras mundiais".